CASA CINE 2025 – Balanço a meio-caminho
O jornalista Pedro Cerejo esteve por terras CASA CINEenses e partilha o seu olhar exclusivo connosco.
7/2/2025


Saindo da estrada principal de Mandelieu-la-Napoule, entra-se na Rue de la plage. Essa é a pequena rua que separa o Château de la Napoule e a villa Marguerite. Em frente, pelas altas janelas de ferro forjado do que foi uma fortaleza medieval, abre-se o calmo e morno Mediterrâneo; por trás, montanhas verdejantes; de lado, uma marina. Olhando mais para longe vê-se Cannes. Está a oito quilómetros de distância, oito minutos num comboio com horários irregulares, uma hora e cinquenta a pé. Um caminho que se faz bem, bordejando sucessivas pequenas praias onde o povo da Côte d’Azur já se deita na areia e já molha os pés nestes dias quentes do meio de Maio. É nestes dois edifícios reconstruídos nas décadas 20 e 30 do século XX pelo casal de artistas Henry e Marie Clews, e por entre os seus jardins e as inúmeras esculturas feitas por Henry, que se movem os seis residentes de mais uma edição da CASA CINE – residência de escrita cinematográfica e musical. É evidente que o local escolhido para acolher a residência é marcado por uma certa megalomania e por um universo orientalista muito em voga quando Henry e Marie Clews compraram o que então era pouco mais do que uma ruína marcada pelas duas torres que se mantinham de pé.
É nestes dois edifícios restaurados com um certa dose de loucura e fantasia nas décadas 20 e 30 do século XX pelo casal de artistas Henry e Marie Clews, e por entre os seus jardins e as inúmeras esculturas feitas por Henry, que se movem os seis residentes de mais uma edição da CASA CINE – residência de escrita cinematográfica e musical. É evidente que o local escolhido para acolher a residência é marcado por uma certa megalomania e por um universo orientalista muito em voga quando Henry e Marie Clews compraram o que então era pouco mais do que uma ruína marcada pelas duas torres que se mantinham de pé.



O júri deste ano, tanto na vertente de realização como de composição, era de luxo: marcado pela presença de nomes como a realizadora georgiana Nana Jorjadze ou o compositor brasileiro Antônio Pinto e a compositora Delphine Mantoulet para citar apenas alguns dos membros do júri. E daí chegou-se a este grupo que foi descobrir La Napoule (e o Festival de Cannes) a partir de 6 de Maio.
Os participantes nesta residência de três semanas devem desenvolver os projectos em que já estão a trabalhar há algum tempo (reler, reescrever, conversar com os mentores, reler, reescrever…) com a ajuda do cineasta e crítico cubano Fernando Pérez e da guionista e realizadora francesa Julie Lopes-Curval. Mas trata-se também de preparar o momento público: uma sessão de pitch, de apresentação face a uma plateia de produtores e outros profissionais do cinema num dos incontáveis pavilhões (o da Région Sud) que rodeiam o Palais du Festival, epicentro do encontro maior da cinefilia e da cinematografia mundial, que este ano vai na sua 78ª edição.
Foi a 19 de Maio, quase a meio das três semanas de residência e uns dias depois da sessão pública de pitch (atrapalhada por uma chuvinha que apareceu e logo se foi embora) que fomos falar com os residentes: tratava-se de perceber, pelas suas próprias palavras, o que estavam a retirar daqueles dias, da experiência da residência CASA CINE, que decorre até ao dia 27.






O realizador português Diogo Salgado, que tem um projecto de filme onírico que se centra na solidão que cerca uma mãe cuja casa se foi esvaziando com a partida dos filhos, é directo a responder: «Tive sobretudo tempo e espaço para repensar o projecto com mais profundidade, e também a escuta atenta dos mentores e colegas, que me ajudaram a ver ângulos que não estava a considerar. Houve uma clareza que começou a surgir a meio da residência, principalmente sobre o tom e a espinha dorsal emocional do filme». E o pitch foi útil também porque o exercício «nos obriga a sintetizar e a apresentar com clareza» o projecto que cada um transporta. Há que dizer que se a casa da protagonista se esvazia dos filhos acaba por se encher com a presença de plantas. Agora vai candidatar-se a novos apoios à escrita e ao desenvolvimento, enquanto começa a pensar na sua terceira curta-metragem.


A realizadora francesa Lauriane Lagarde explica, num discurso muito articulado: «Esta residência tem um duplo interesse: tenho tempo para desenvolver o meu argumento estando muito bem rodeada; mas também estou no local certo para começar as répérages.» Esclareça-se que a história que Lauriane traz – o sensível olhar de uma menina de 7 anos sobre o mundo dos adultos, e sobretudo sobre a ausência do pai que está preso – se passa naquelas bandas, naquelas praias da Côte d’Azur. «Andei a tirar fotos, a sentir o ambiente, a luz, a perceber quando é que se pode filmar.» Quanto ao pitch, que lhe correu muito bem, falou logo com várias produtoras, “é importante ter o ponto de vista das pessoas daqui, porque o filme se passa aqui, no sul”, mas também foi fazendo contactos para um outro projecto que já tem em carteira. Ou seja, a sessão de pitch pode servir para histórias mais além, que hão-de surgir mais à frente. A residência tem-lhe «permitido verificar se a estrutura narrativa é sólida» e está a sentir-se «reconfortada» com as sessões de trabalho. Com Julie Lopes-Curval pôde trabalhar as personagens com maior detalhe. «Agora posso avançar com confiança», confidencia. Vai acabar a primeira versão do argumento: «esta residência foi uma verdadeira prenda!», confessa.


Sempre bem-disposto, o compositor espanhol Alberto Torres explica claramente o que é para ele esta residência: «Um espaço privilegiado para interromper a vida quotidiana e me concentrar durante três semanas a produzir uma banda sonora e a fazer investigação», uma tranquilidade que no dia-a-dia tem dificuldade em encontrar. E a preparação do pitch surge-lhe como um momento de reflexão sobre o percurso que já construiu. Alberto está já a trabalhar na composição da música da primeira longa-metragem do realizador espanhol Manuel Manrique e em Cannes aproveitou para investigar os palos do flamenco que vão ter um papel importante na banda sonora. Head on the Wall, que vai começar a ser rodado em Setembro, vai ser «um filme importante ao qual quero dedicar tempo e carinho», diz Alberto. Quanto ao pitch, lembra que «estes contactos funcionam sobretudo a médio e longo prazo, mas é sempre bom divulgar o nosso trabalho».


Abbas Taheri, realizador iraniano muito seguro nas suas palavras, destaca um aspecto interessante: o facto de haver dois mentores faz com que haja «duas abordagens distintas aos nossos projectos», uma pluralidade de vozes que vão discutindo os avanços de cada argumento. «Isso é uma grande ajuda», conclui. E esta é uma experiência internacionalista que lhe dá, justamente, «uma perspectiva internacional e uma imagem mais clara do que estou a fazer» ao escrever o guião de um filme com temática feminista e LGBT passado no Sul do Irão, assente numa história real que o autor conhece de perto. Abbas agradece o trabalho dos tutores que o ajudaram a preparar a sessão de pitch para a indústria, sendo o primeiro a dizer que «houve logo primeiros contactos, pessoas que vieram falar comigo a perguntar pormenores» e conseguiu «reuniões com os meus produtores franceses e potenciais produtores alemães que estavam aqui no festival». «É como estar em casa! Sentimo-nos confortáveis», conclui Abbas sobre a residência em La Napoule.


Já o possante realizador peruano Gustavo Bockos começa por esclarecer um aspecto: «Eu venho de outro lugar, não venho do cinema», pois que trabalhou sobretudo como artista visual. Todavia, já teve uma curta premiada em Clermont-Ferrand e está em La Napoule para desenvolver um projecto que transporta há anos sobre a casa onde passou a infância, que era da avó, uma das primeiras ministras do país, e que foi assaltada com grande violência nos anos 1980. «CASA CINE ajudou-me a poder contar a minha história», explica Gustavo, «e a perceber como funciona a indústria», mas o mais importante foram os conselhos dados por Fernando Pérez: «Acho que com ele estou a aprender que tudo faça sentido numa história.» «Foi um calendário muito denso», onde recebeu indicações práticas que lhe vão permitir «ver os pontos fortes da minha história e começar a reescrevê-la». Sobre a residência acrescenta um ponto importante: «Levo daqui amigos. Pela parte humana também é lindo.» Explica ainda que já tem uma produtora brasileira, que teve «três reuniões interessantes» e que vai começar a candidatar-se a programas de financiamento de escrita e de pré-produção.


A compositora Clémentine Charuel – que tem uma função diferente e um ritmo de trabalho também diferente – realça que o Château e o mar são «um quadro diferente, muito inspirador». Morando em Paris, realça o que encontrou em La Napoule: «Aqui estou em calma para trabalhar, para compor; para recuperar o amor pelo que faço.» Veio para começar a pensar a música que vai escrever para um filme turco (My Happy Family, do realizador turco Alkim Özmen) que começará a ser rodado em Janeiro e cujo realizador também esteve na sessão de pitch. Mas a residência CASA CINE deu a todos os participantes, também, a «possibilidade de participar no Festival de Cannes».




Razão deve ter Lauriane que, depois de responder a estas simples perguntas, se virou para trás e disse «Ça aide à penser!». É esse mesmo o objectivo geral da residência: ajudar a parar e a pensar. Oxalá os/as seis residentes estejam, em breve, a levar os filmes a festivais pelo mundo fora. E quem sabe até os levem ao Festival de Cannes, centro do mundo da cinefilia.
Pedro Cerejo
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